Lomadee


sábado, 19 de fevereiro de 2011

Governo quer retirar baianas do acarajé das praias de Salvador

Símbolo cultural está ameaçado por Lei Federal


Uma das maiores tradições culturais da Bahia - as baianas de acarajé que comercializam produtos típicos nas praias de Salvador - pode sumir das areias soteropolitanas. Na última quarta-feira (16), a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), órgão ligado ao Ministério do Planejamento, encaminhou um ofício à prefeitura de Salvador pedindo a saída das baianas de acarajé das praias sob a argumentação de que a lei federal de gerenciamento costeiro proíbe a ocupação da faixa de areia na praia para o comércio.

O ofício da SPU pede, inicialmente, que as baianas sejam notificadas, mas não coloca uma data exata para a retirada das ambulantes. O texto inclui, além das baianas, vendedores de queijo coalho, brincos, camarão e todos que vendem alguma coisa na faixa de areia, segundo a prefeitura. O comunicado ocorre meses depois de a Justiça Federal determinar a demolição de todas as barracas de praia da capital baiana, que também causou polêmica em Salvador.

“Não posso concordar com a proibição do trabalho das baianas de acarajé na orla de Salvador. Elas fazem parte do cenário das nossas praias. No que depender da administração municipal, as baianas jamais serão prejudicadas. Não podemos ficar de braços cruzados diante desta situação”, disse o prefeito João Henrique Carneiro (sem partido), ao ser informado do pedido de retirada das baianas pela SPU. Para tentar contornar o problema, neste sábado (19), João Henrique marcou para a próxima segunda-feira (21) uma reunião com representantes da SPU, da prefeitura e da Abam (Associação das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares da Bahia) para resolver o impasse.

“Existem baianas que estão trabalhando na orla há 30, 40 anos, e estão desesperadas com esta determinação”, disse a presidente da Abam, Rita dos Santos. De acordo com ela, cerca de 650 baianas trabalham nos 51 quilômetros da orla de Salvador. “Por causa desta decisão da SPU, a prefeitura não está concedendo mais licenças para que as baianas instalem os seus tabuleiros nas praias.” No ofício encaminhado à prefeitura, a SPU recomendou que as baianas fossem transferidas para o calçadão, segundo informações da Sesp (Secretaria Municipal de Serviços Públicos).

“Trabalho na orla de Salvador desde 1979. Vendendo acarajé e outros produtos, consegui criar meus três filhos e comprar uma casa”, disse a baiana Ana Santiago Santana. “Se eu sair daqui não sei o que será de minha vida.” No final da manhã deste sábado (19), a turista mineira Jéssica Rodrigues, 26, criticou a recomendação da SPU. “Esta decisão é uma afronta à cultura e a um dos maiores símbolos da Bahia. Acho que faltou sensibilidade social para quem tomou esta decisão.”

O superintendente da Sucom (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo, órgão ligado à prefeitura), Cláudio Silva, disse que a autarquia não vai contribuir para a retirada de equipamentos das baianas de acarajé das praias. “Na questão das barracas de praia, eram equipamentos fixos e tínhamos uma decisão judicial que obrigava a prefeitura a tirar os equipamentos. Quando retiramos as barracas, notamos uma situação de degradação ambiental e foram encontradas mais de uma fossa em algumas barracas. Já a situação das baianas é diferente. São equipamentos móveis e elas recolhem, inclusive, os detritos”, disse Silva.

A decisão da Justiça Federal de mandar demolir todas as 353 barracas de praia de Salvador (outras 127 foram derrubadas no primeiro semestre) deixou 3.000 pessoas desempregadas, segundo o presidente da Associação de Barraqueiros, Alan Rabellato, e acabou com o sonho de alguns empresários que chegaram a investir até R$ 500 mil em seus estabelecimentos nos últimos anos. “Tenho uma filha de oito anos para criar e não sei o que vai ser da minha vida”, disse a cozinheira Ana Rita de Mendonça, 35, que há quase duas décadas trabalhava em uma barraca construída na praia de Patamares e que foi derrubada na manhã desta terça-feira (24).
No primeiro dia da operação, nesta segunda-feira (23), 102 barracas foram demolidas, de acordo com informações da prefeitura. A determinação de demolição dos empreendimentos partiu do juiz Carlos D’Ávila, da 13ª Vara da Justiça Federal. De acordo com ele, as barracas foram construídas ilegalmente porque ocupam uma faixa (areia) que pertence à União. Em sua sentença, o juiz escreveu que a orla de Salvador está “favelizada, imunda, entupida de armações em alvenaria”, e a construção das barracas “reduziu as praias da cidade, outrora belas, no mais horrendo e bizarro trecho do litoral das capitais brasileiras”, tudo isso, “sob o beneplácito de desastrosas permissões de uso, outorgadas pelo Executivo local”.
Chorando muito, a comerciante Aline Brito de Souza disse que investiu R$ 400 mil em seu estabelecimento. “O que estão fazendo com a gente é um crime. Em poucos segundos, a minha vida ruiu também.” Fornecedora de sombreiros para os comerciantes, Adriana Furtado teve a mesma reação. “Tenho 16 funcionários, todos com carteira assinada. A partir de agora, não tenho alternativa, a não ser efetuar a demissão de todos eles.”
O advogado da Associação de Barraqueiros, João Maia, responsabilizou a Prefeitura de Salvador pelas demolições. “O prefeito pediu a demolição e, agora, quer se fazer de vítima.” Em nota, o prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) disse que sempre procurou uma solução negociada para o impasse. Nesta terça-feira (24), segundo dia da operação, os trabalhos de demolição começaram por volta das 6h. Ao contrário do primeiro dia, não houve resistência por parte dos comerciantes.
Antes de iniciar os trabalhos com os tratores, os funcionários da prefeitura esperavam os técnicos desligarem a energia dos estabelecimentos. Em menos de 40 minutos, todas as 26 barracas localizadas na praia de Patamares foram demolidas. Em seguida, os funcionários foram executar os trabalhos em outra praia, acompanhados por agentes das polícias Federal e Militar. Durante esta madrugada, revoltados com a decisão da Justiça Federal, cinco proprietários colocaram fogo em seus estabelecimentos, segundo a prefeitura.
Estabelecimentos luxuosos
Muitas das barracas derrubadas por decisão da Justiça Federal ofereciam luxo e conforto para os seus clientes. Os estabelecimentos localizados na praia do Flamengo, por exemplo, colocavam à disposição dos baianos e turistas internet sem fio, sessões de massoterapia, música eletrônica, seguranças particulares, DJs, espaços gramados para as crianças se divertirem e locais para a realização de festas e casamentos.
O empresário Sílvio Ferreira, dono da barraca Cancún Beach, disse que investiu cerca de R$ 600 mil no estabelecimento. “Durante o verão, aos domingos, chegava a lucrar R$ 12 mil.  Isto é o investimento de uma vida inteira”, acrescentou o empresário, que tinha 12 funcionários contratados. “Nos dias de grande movimento eu também dava emprego a alguns diaristas.”

Demoliçao das Barracas de Praia em Salvador - Bahia


Depois de três dias de operações, fiscais da prefeitura concluíram, na tarde desta quarta-feira (25), a demolição de todas as barracas de praia da orla de Salvador, com exceção de 63 localizadas entre a capital e a cidade de Lauro de Freitas (região metropolitana), que tiveram a derrubada suspensa pelo Tribunal Regional Federal (TRF).

Segundo nota divulgada pela Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom), foram 349 demolições no total, nas regiões da Orla Atlântica –trecho entre a Praia do Flamengo e a Barra– e da baía de Todos os Santos –Cantagalo até São Tomé de Paripe–, em cumprimento a uma determinação da Justiça Federal. Ainda de acordo com a assessoria da Sucom, os entulhos poderão ser retirados das praias em até três meses.
A determinação de demolição partiu do juiz Carlos D’Ávila, da 13ª Vara da Justiça Federal. De acordo com ele, as barracas foram construídas ilegalmente porque ocupam uma faixa de areia que pertence à União.

A ação gerou manifestações ao longo dessa semana. Após protestos, tumulto e ameaça de suicídio por parte de alguns barraqueiros da praia de Ipitanga, o desembargador Olinto Herculano, do TRF da 1ª Região, suspendeu a derrubada e pediu à juíza Karen Almeida, responsável pelo caso, e para a Prefeitura de Lauro de Freitas mais informações antes de dar um parecer definitivo sobre o caso.

A prefeita do município, Moema Gramacho, alega que, administrativamente, todas as barracas, pertencem ao município porque seus proprietários pagam impostos em Lauro de Freitas. “Portanto, estas barracas não podem ser derrubadas pela Prefeitura de Salvador.”

Mais protesto
Na tarde desta quarta-feira (25), inconformados, cerca de 50 barraqueiros fizeram uma manifestação em frente ao Palácio Thomé de Souza, sede da Prefeitura de Salvador, para protestar contra a ação. De acordo com líderes do movimento, eles vão aproveitar a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Salvador, nesta quinta-feira (26), para pedir ajuda federal na solução do caso.
O prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) se reuniu com representantes do Patrimônio da União e dos governos estadual e municipal na manhã de hoje e declarou que já encaminhou, na terça-feira (24), um ofício para o presidente Lula.
"Estou avaliando a possibilidade de apoio do Sebrae na concessão de linhas de crédito especiais do governo federal (...) para que esses 3.000 comerciantes desempregados possam dar início a novos empreendimentos”. Disse.

Alan Rabellato, presidente da Associação dos Comerciantes de Barracas de Praia, disse que a entidade vai continuar pressionando o poder público. “Na próxima semana, vamos realizar outro movimento grande aqui na prefeitura”, disse.

Troca de acusações
Em entrevista, o prefeito acusou os comerciantes de “intransigência e falta de diálogo”. Segundo ele, o projeto que prevê a reconstrução da orla está nas mãos do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal, Carlos D'Ávila, há três anos e quatro meses "esperando apenas uma conversa com membros da Associação dos Barraqueiros".

O projeto a que o prefeito se refere reduz pela metade o número de barracas na capital, sendo todas no calçadão. No entanto, conforme foi divulgado oficialmente, a Justiça vetou o documento sob a alegação de que a prefeitura não explicou como serão feitos a coleta de lixo e o esgotamento sanitário.

João Maia, advogado da associação, afirmou que tentou, por diversas vezes, negociar com a prefeitura, mas o prefeito nunca o recebeu.